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Isso nunca vai acontecer comigo.


Agora, sentada em frente à janela do meu quarto, com uma vista de fim de dia, na verdade tudo o que eu vejo é uma neblina. Ela não está lá. De fato, o dia está lindo e as cores em tons rosas e laranjas diversos se misturam como se dançassem no céu e formassem um casal inesperado. Aquela neblina tem me acompanhado como uma persistente música de comercial, daquelas que grudam em nossa mente, sabe? Só que ao invés de alegria, ela me lembra coisas que eu quero esquecer.


Eu não me lembro muito bem quando ela começou a se formar. Não sei ao certo o dia ou a hora precisa que isso aconteceu, ou em qual acontecimento eu deixei ela se aproximar, mas agora ela se instalou e parece que não pretende sair, está até mais densa, creio eu. Há dias em que ela não me deixa sair da cama, ou da frente da Netflix. Às vezes ela fica tão densa que nem a Netflix ela me deixa ver. As pessoas acabam não me enxergando, eu fico invisível porque ela tenta me esconder. Do sol, das coisas boas, dos risos de chorar de rir ou daquela chuva de verão que a gente adora pegar junto com alguém. Das bobagens que falamos entre amigos, das tardes de sol em que o silêncio é bom e a companhia se torna uma aliada para contemplar um céu azul, daqueles sem nuvens, ou sem neblinas. Ela me afasta de um amor. De carinhos, da cumplicidade, de sonhos em conjunto. De bobagens faladas e guerras de travesseiro. Ela me afasta do gosto e do sentido das coisas, do sabor da vida.

"Isso nunca vai acontecer comigo!" Eu dizia, sempre que alguém me falava que essa neblina ficava impedindo-a de ter prazer, ou de aproveitar a vida ao máximo. Eu achava simplesmente um absurdo que alguém pudesse sucumbir a uma bobagem dessas. "Ora, vou deixar uma neblina tomar conta de mim? Eu sou mais forte do que isso". E no fim, é nos mais fortes que elas espreitam. É nos mais preparados que elas esgueiram. Porque, quanto maior a confiança, maior é o tombo de um fracasso. Quanto maior é o amor, tanto quanto a dor é intensa na hora de um término. Quanto mais felicidade, mais fácil é de a neblina acabar com o seu dia de sol. As coisas na vida vão acontecendo. Mudanças surgindo e pessoas virando coisas que não são, ou eram e não enxergávamos, porque nosso dia era ensolarado e pensávamos no que as pessoas tinham de melhor. Às vezes eu me pego pensando que talvez eu vivesse numa realidade paralela atrás do arco-íris, aonde tudo era feliz e tudo transcendia o espírito, e sorrir não era tão dificil.

Hoje sou eu que escrevo, mas a neblina me impede de enxergar. Talvez não seja mais eu, ou talvez eu consiga mandá-la embora, mas eu não consigo mais ouvir as pessoas dizendo "manda ela embora, assopra mais forte", ou "isso é coisa da sua cabeça, nem tem neblina nenhuma, deixa de frescura". Talvez tudo isso seja uma "fase" da qual sempre falam (mas que eu não concordo). Só que é fácil se sentir confortável quando a neblina é a única coisa que restou e quando a felicidade parece tão distante, como aquelas cores dançantes no céu.


Tatiana Trindade

Sagitariana, cozinheira, fotógrafa, empresária e de tudo um pouco. Tem 23 anos, mas ainda não sabe se casa ou compra uma bicicleta.

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